Cuiabá | MT 24/04/2024
Antonio de Souza
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Segunda, 24 de janeiro de 2011, 15h56

Memória que se apaga

É fato que uma cidade que não preserva seu patrimônio histórico e cultural está fadada ao risco de extinção. Talvez seja exagero dizer que Cuiabá possa sumir do mapa, caso não cuide dos seus prédios antigos e de outros exemplares que representam a memória da capital mato-grossense. Mas, nunca foi tão imperativa a conclusão de que um patrimônio malcuidado equivale a uma memória apagada.

Infelizmente, essa é a triste realidade do Centro Histórico de Cuiabá. O assunto não é novo, mas não custa nada relembrar, na esperança de que as autoridades (in) competentes se sensibilizem e cumpram com a obrigação de revitalizar tão importante espaço, no contexto da infraestrutura da cidade.

O quadro é triste: não bastasse o tráfico de drogas, a prostituição e até casos de assassinatos, o Centro de Cuiabá também é palco de outro crime - a destruição gradativa do Patrimônio Histórico.

Com efeito, grande parte dos antigos casarões, verdadeiros cartões-postais de outrora e que representam uma parte importante da história da Capital, é alvo constante da depredação. A maioria desses imóveis foi abandonada pelos próprios donos e/ou pelo Poder Público, que é completamente omisso. Hoje, são utilizados pela bandidagem que tomou conta da região e a transformou em "paraíso" da vadiagem, do tráfico, da jogatina. Além de se constituírem num risco potencial para as pessoas, uma vez que correm o risco de desabamento.

Sou uma testemunha viva do estado de destruição dessa parte do Centrão de Cuiabá. Durante, pelo menos, 15 anos, morei em um desses prédios tombados pelo Patrimônio Histórico. Nesse tempo, minha família preservou ao máximo o imóvel, em que pese o descaso e a burocracia infame do Poder Público, até mesmo, para autorizar alguma reforma ou simples pintura.

Hoje, moramos em uma residência não tombada, na mesma rua, mas é triste constatarmos que nossa antiga casa está abandonada, pode desabar a qualquer momento. O risco é de que ocorra uma tragédia, dado que a Pedro Celestino (antiga Rua de Cima) é uma das mais movimentadas da cidade, uma vez que também tem atividade comercial muito intensa.

Outro exemplo do descaso é um casarão situado em frente à Praça Conde de Azambuja, a "Praça da Mandioca", tradicional ponto turístico do Centro Histórico: tombado, o imóvel não demora a cair. O próprio dono da casa se encarregou de colocar o aviso "Perigo! Casa desabando", para chamar a atenção das pessoas. Mas, só isso resolve?

Nunca é demais lembrar que, poucos dias depois de assumir seu primeiro mandato, no dia 25 de janeiro de 2004, o prefeito Wilson Santos reuniu, no Palácio Alencastro, representantes lojistas para anunciar o que seria uma "medida de impacto": um projeto para revitalizar o Centro.

Com foi amplamente divulgado na época, o prefeito garantiu a transformação do espaço entre as Avenidas Getúlio Vargas e Generoso Ponce em uma "Rua 24 horas", com funcionamento do comércio dia e noite, a exemplo do que existe em outros centros do País, sendo Curitiba (PR) o modelo ideal.

Para completar o espetáculo midiático (mal da grande maioria dos políticos demagogos), o mesmo Wilson Santos, em companhia de assessores, desceu do 7º andar do Alencastro e desfilou pelos calçadões para comemorar medida recente, que culminara com o fechamento de dezenas de prostíbulos que funcionavam no Centro Histórico. Na verdade, ele nada mais fizera do que cumprir o Código de Posturas, que proíbe esse tipo de atividade em áreas centrais e residenciais.

Dias depois, o Diário de Cuiabá estampou, em uma das suas manchetes, a notícia de que a própria Prefeitura autorizara nada menos do que a renovação do alvará de um dos prostíbulos, que funciona sob a fachada de restaurante. Teria sido a senha que os comerciantes inescrupulosos esperavam para voltar às atividades ilícitas, de tal forma que o Centro Histórico, gradativamente, se transformou numa enorme boca-de-fumo. Uma cracolândia, melhor dizendo. Não se contando, claro, becos que se transformaram em verdadeiros guetos.

Wilson Santos ficou quase oito anos na Prefeitura, mas não cumpriu a promessa. Agora, quando se acreditava que seu sucessor, Chico Galindo, iria demonstrar algum interesse no resgate do Patrimônio Histórico da cidade, constata-se, mediante o noticiário político, que ele usa a Secretaria Municipal de Cultura como moeda de troca, na desesperada busca por apoio político - muito provavelmente, interessado numa candidatura à reeleição em 2012. O futuro titular da pasta, certamente, terá coisas mais importantes para administrar, como distribuir verbas públicas, por meio de um certo fundo de incentivo, que, na verdade, contempla projetos insignificantes, de autores idem.

A Câmara Municipal também é omissa, na medida em que praticamente todos os seus membros não revelam o menor interesse pela história de Cuiabá. Perdem o tempo com projetos sem nenhum valor e que só atestam a indigência do atual Legislativo: mudança de nomes de rua, controle de entrada em motéis, títulos de cidadania, além de escândalos a granel.

Secretário de Cultura do Estado, o deputado João Antonio Cuiabano Malheiros assumiu recentemente a pasta como uma espécie de cota da Assembleia Legislativa. De cara, em discurso, deu a entender que é um estranho no ninho, ao dizer que ainda vai se familiarizar com o setor. De qualquer forma, poderia honrar o "Cuiabano" que tem no nome, se esforçando para resgatar a identidade histórica de sua terra natal. Como político profissional, não será novidade se confundir a pasta como um imenso palanque eleitoreiro.

De seu lado, a Polícia Militar só aparece no Centro Histórico de Cuiabá em épocas de festas - como o Natal e Ano-Novo; ainda assim, apenas nas áreas onde o comércio é intenso. O comando da corporação, em entrevistas, já reconheceu que o problema existe. Mas, não toma providências, o que, na prática, é um atestado da mais pura incompetência. Ou será conivência?

A título de ilustração, é oportuno lembrar que Patrimônio Histórico pode ser definido como um bem material, natural ou imóvel concebido por sociedades do passado e que possuiu importância artística, cultural, religiosa, documental ou estética. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) é o responsável pela gestão, proteção e preservação do patrimônio histórico e artístico brasileiro.

A propósito, a sede do órgão, aqui em Cuiabá, está situada no "centro nervoso" do Centro Histórico, na Rua 7 de Setembro (antiga Rua de Baixo). Mas, até prova em contrário, não serve para coisa nenhuma. É mais um cabide de emprego.

Antonio de Souza é jornalista em Cuiabá e editor do site MidiaNews
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