Há ainda incertezas entre os publishers sobre as proporções do impacto na mídia da decisão do Facebook de priorizar, em seu feed de notícias, publicações pessoais e, ao mesmo tempo, reduzir a visibilidade orgânica (não paga) de conteúdo jornalístico e de marcas. Algumas convicções, porém, estão bem formadas. Sabe-se que, em um primeiro momento, todos sofrerão, principalmente as empresas mais jovens, dependentes de publicidade digital e da audiência conquistada via rede social. No entanto, existe o entendimento que a mudança pode se transformar em oportunidades de negócios realmente eficazes. Algo que, segundo analistas, caminhava para o impossível no ambiente que vinha sendo ditado pela empresa de Mark Zuckerberg.
"O Facebook aniquilou o modelo de negócios das notícias, abrindo o caminho para um sistema de publicidade maciço, ultra-barato e ultra-direcionado, que quase nada traz aos publishers", disse o jornalista Frederic Filloux, editor do site especializado Monday Note. Motivados por promessas da rede social e pressionados pela falta de monetização no meio on-line, afirmou o analista, os produtores de conteúdo consumiram esforços e recursos para distribuir material de qualidade no Facebook, inclusive vídeos custosos, na esperança de faturar. Não obtiveram a remuneração aguardada e, mais do que isso, viram seus próprios negócios atingidos.
A noção de marca foi enfraquecida. "Ano após ano, a porcentagem de pessoas capazes de recordar onde receberam suas notícias está diminuindo", destacou Filloux, lembrando que o mesmo ocorreu com a percepção quanto à autoria. "'Eu li no Facebook', dizem agora parcelas das populações dos Estados Unidos, da Europa e de muitos outros países", assinalou o editor do Monday Note. Até meados do ano passado, de acordo com o Pew Research Center, ao menos 45% dos adultos dos Estados Unidos liam notícias a partir da rede social de Zuckerberg.
"É um poder incrível que traz responsabilidades também incríveis", disse David Chavern, presidente da News Media Alliance (NMA), instituição resultante da Newspaper Association of America (NAA) e que reúne mais de 2 mil veículos de imprensa dos Estados Unidos e do Canadá, além do gigante de mídia alemão Axel Springer. Chavern comentou que a decisão do Facebook, anunciada na quinta-feira (11) da semana passada, deve chamar a atenção dos publishers para o fato de que não é possível construir um negócio em torno de um algoritmo que pode mudar a qualquer momento.
"Admissão de vulnerabilidade"
Ao mesmo tempo, o Facebook, depois de apostar no envolvimento dos publishers -- principalmente para derrotar o Twitter --, mostrou-se desinteressado comercialmente (as notícias, nem sempre positivas, não seguem o modelo de negócio da rede social) e inapto para lidar com a distribuição de conteúdo jornalístico.
Algo semelhante à incapacidade comprovada da rede social de fazer com que seus algoritmos impeçam a profusão de mentiras (um combate considerado caro, principalmente quando envolve a contratação de profissionais verificadores), discursos de ódio (que desagradam boa parte dos quase 2 bilhões de usuários) e a manipulação da plataforma por grupos e governos, como no caso da influência russa na eleição norte-americana de 2016. "As notícias transformaram-se em um pesadelo de relações públicas para o Facebook", afirmou Filloux.
Isso justifica a interpretação do CEO da Bloomberg Media, Justin Smith, sobre a mudança do Facebook: uma "admissão de vulnerabilidade". Ao contrário da mídia, uma indústria mais saudável que recompensa lealdade, marcas fortes e modelos de negócios sólidos. "Este movimento pode ser interpretado como uma das primeiras fissuras na fachada do duopólio [Facebook-Google]", disse. "Este desenvolvimento é muito bom para toda a mídia a longo prazo".
O fim da miragem do público de massa
Enquanto o novo cenário é montado, os publishers precisam ser cirúrgicos e céleres na adaptação. Os analistas afirmam que os produtores de conteúdo terão de colocar em prática novas estratégias e readequar estruturas, com iniciativas dentro e fora do Facebook. Além disso, apesar dos esforços de Mark Zuckerberg para se distanciar das responsabilidades exigidas às mídias (e o Facebook é uma delas, apesar da negativa de seu CEO), é necessário trabalhar com a certeza que a rede social permanece sendo o mesmo concorrente voraz de antes das novidades anunciadas agora, faturando quase dois terços dos anúncios digitais, ao lado do Google, e com os mesmos defeitos que a desgastaram entre 2016 e 2017 -- no ano passado, por exemplo, os primeiros testes com a mudança anunciada agora favoreceram as "fake news".
"Uma vez que a dor aguda desapareceu, a indústria perceberá que esta não é uma notícia ruim depois de tudo", salientou Frederic Filloux. É hora de reagrupar e reorientar o básico, disse o jornalista, reconhecendo que eventualmente isso significa destruição ou reutilização das equipes reunidas para lidar com os novo requisitos de produção do Facebook. Filloux afirmou que a rede social continua a ser um campo formidável para atingir públicos não essenciais e fazer todos os tipos de testes de marketing, graças a sua excepcional habilidade para identificar qualquer grupo e, também, seu incrível alcance.
Por outro lado, frisou o jornalista, os recursos antes destinados ao Facebook podem agora se concentrar no desenvolvimento daquilo que afeta diretamente a atividade das empresas de comunicação: encontrar, reter e converter leitores leais (fundamental para o modelo de paywall, por exemplo). "A busca de leitores de qualidade prevalecerá sobre a miragem de um público de massa, uma vez prometido pelo Facebook".
Diversificação, dentro e fora do Facebook
Antes mesmo do anúncio do Facebook, Simon Galperin, especialista em engajamento da GroundSource, publicou na semana passada, no site Medium, um guia preparatório para a alteração. O primeiro passo, disse, passa pelo desenvolvimento de canais alternativos já conhecidos, mas com abordagens diferenciadas. "As notificações por e-mail, mensagens e push são formas de ignorar as plataformas e se conectar diretamente com sua comunidade", ressaltou o especialista. Nessas configurações "mais íntimas", afirmou, é preciso servir um propósito para sua comunidade. "Solicite endereços de e-mail e números de telefone e ofereça valor em troca", recomendou.
Outra força-tarefa é enfatizar o compartilhamento social, afirmou Galperin. Ou seja, será necessário elevar o nível de engajamento dos leitores, motivando-os a dividir os conteúdos jornalísticos com seus amigos. O especialista sugeriu um estudo prévio para saber onde e quando publicar, usar imagens envolventes, escrever títulos acolhedores e não sedutores. "É preciso criar um impulso de compromisso estabelecendo interação significativa antes de esperar que os leitores compartilhem. Deixe seus leitores falarem a partir do que pensam, conte sua história e dirija seu trabalho".
Com as alterações no feed de notícias, Galperin afirmou acreditar que haverá maior valorização dos grupos formados a partir de páginas estabelecidas no Facebook, ferramenta lançada em junho de 2017. O especialista alertou, porém, que esse espaço não pode ser apenas mais um local para a publicação de conteúdo já postado no feed de notícias. "É preciso uma estratégia comunitária. Considere diferentes grupos para diferentes segmentos de público. Novamente, você precisará saber o que seu público precisa. Você descobrirá ouvindo-o".
Matt Navarra, diretor de mídia social no site de notícias de tecnologia The Next Web, também disse acreditar na explosão no uso de grupos, em entrevista ao Press Gazette. Ele aposta ainda em aumento na produção de conteúdo de vídeo de longa duração ou em série dentro do novo recurso Watch, do Facebook.
A diversificação é mesmo fundamental, escreveu Alex Price, diretor da agência britânica 93digital, em artigo no site The Drum. "Vemos alguns dos nossos clientes listando eventos, promovendo conselhos de trabalho, hospedando prêmios, compartilhando livros, oferecendo uma variedade de formatos de conteúdo patrocinados e explorando comércio eletrônico ou afiliados."
Price recomendou um esforço concentrado na retenção de audiência e repetição de visitas nos sites dos publishers. Para tanto, disse, é preciso investir mais nas propriedades digitais e criar centros de conteúdo, inclusive pago, dinâmicos e impactantes. Exemplo disso é a experiência no meio mobile, que precisa garantir resposta de alta velocidade aos usuários. A partir disso, afirmou o executivo, os publishers podem gerar valor de longo prazo, ao mesmo tempo em que coletam conhecimentos demográficos valiosos sobre seus visitantes.
As primeiras experiências
Muitos veículos já vinha se preparando, até porque o tráfego vindo do Facebook havia começado a cair em 2017. É o caso do BuzzFeed, que construiu todo o seu modelo de negócios em torno da criação de conteúdo viral para o Facebook, mas recentemente mergulhou em crise por falta de receitas.
O site AdNews informou que a empresa percebeu a nova tendência e já está concentrada na criação de conteúdo compartilhável que é propagado pelos usuários das redes sociais. Além disso, o BuzzFeed, conforme escreveu seu presidente-executivo, Jonah Peretti, em memorando no fim de 2017 aos funcionários, fará "mudanças que vão preparar para o futuro e permitir continuar liderando o setor", como investir em novas áreas e nos títulos mais voltados a estilo de vida, além de nova estratégia publicitária, que passou a abranger banners, anúncios comerciais fixos. Até então, o BuzzFeed se concentrava em posts patrocinados.
Na Austrália, o diretor digital da Seven West Media (SWM), Clive Dickens, afirmou que nos últimos anos o grupo investiu em seus produtos digitais diretos para consumidores, fazendo dos ativos próprios o principal motor do tráfego. "Continuamos a ter uma estreita relação comercial com o Facebook e todas as outras redes sociais líderes, e acolhemos quaisquer melhorias e inovações em seus feeds de notícias -- especialmente as que priorizam interações significativas e conteúdo de qualidade", disse Dickens ao AdNews.
Conforme Rick Edmonds, do Instituto Poynter, os sites de notícias estão se expandindo além da rede social, trabalhando com o Google News (GOOG) ou o feed de notícias da Apple (AAPL) entre outras alternativas. "Nós não colocamos todos os nossos ovos na cesta do Facebook", disse Meredith Artley, editora em chefe da CNN Digital.
O Facebook continua a ser a maior fonte de tráfego de referência social da Bloomberg Media, de acordo com a SimilarWeb, mas a produtora de conteúdos de negócios distribui seu conteúdo em dez plataformas, e recentemente juntou-se à Line, o aplicativo de mensagens mais popular em países como Japão, Taiwan e Malásia. A Bloomberg Media considera mudar para o Telegram, o aplicativo de mensagens móveis popular em países como o Irã.
"É hora de nós, como indústria, olharmos mais de perto para as outras formas de aumentar o público", disse Matt Karolian, que lidera as redes sociais do grupo Boston Globe Media.
ANJ