Os interesses dos usuários do Facebook são, dentro do modelo de publicidade dirigida da empresa norte-americana, um dos modos mais úteis para que os anunciantes potencializem ao máximo suas peças publicitárias na rede social, oferecendo serviços e produtos para um público, em tese, mais predisposto à oferta. Novo estudo, entretanto, revela que muito desse investimento feito pelas marcas pode não ter a eficácia esperada. Isso porque, de acordo com a pesquisa, informou o jornal El País, o Facebook infla os interesses dos usuários, a tal ponto que o valor dessa informação pode acabar diluído.
O número médio de interesses por usuário é de 300 a 350. Mas em 10% dos casos há entre cerca de 1 mil a quase 9 mmi assuntos destacados, relatou o jornal espanhol El País, que teve acesso a um estudo científico ainda não publicado. No outro extremo, o dos 10% de usuários com menos interesses, o Facebook direciona anúncios relativos a menos de 50 preferências. Procurado pelo jornal, o Facebook disse que não dispõe de uma cifra relativa à média de interesses de cada usuário.
A informações constam em no artigo intitulado Análise em Grande Escala da Exposição do Usuário à Publicidade On-line do Facebook, de Aritz Arrate, José González Cabañas, Ángel Cuevas, María Calderón e Rubén Cuevas, da Universidade Carlos III, em Madri, na Espanha. O texto será publicado nas próximas semanas pelo IEEE Access. Os dados sobre os interesses, conta o diário espanhol, não são públicos. Os pesquisadores criaram uma extensão para Chrome e Firefox que, uma vez baixada e dada a autorização, permite calcular o valor de cada usuário no Facebook segundo os anúncios que ele vê. Com essa extensão, os pesquisadores reuniram, entre outubro de 2016 e maio de 2018, uma base de dados de sete milhões de anúncios disparados por 140 mil anunciantes e destinados a mais de 5 mil usuários.
Os anunciantes que pagam diariamente para que seus anúncios cheguem a uma audiência precisam de centenas de milhares de pessoas etiquetadas com as características que procuram. “O Facebook precisa vender muitos espaços publicitários”, diz Ángel Cuevas, um dos autores. “Precisa ter muita flexibilidade para encher esses espaços. Se os perfis forem muito estreitos, talvez haja usuários que não tenham nada para ver quando se conectarem, pode ser que haja anunciantes, mas nenhum aponte para esse usuário com sua campanha. Se por outro lado, fazem um perfil amplo a seu respeito, ele serve para mais coisas.”
O Facebook só usa em média um pouco mais de 20% das etiquetas que põe em cada usuário, diz o El País. O resto é quinquilharia, embora cada usuário aparentemente tenha quinquilharia suficiente para que os anunciantes encontrem suas presas. O Facebook defende essa inflação nos perfis mencionando o uso que cada um faz da rede. “Que os usuários tenham tantos interesses é bom enquanto os anunciantes não perceberem”, diz Cuevas.
O excesso de tags pode ser um problema para o usuário, destaca o El País. Na semana passada, por exemplo, viralizou uma carta de Gillian Brockell, editora de vídeos do jornal The Washington Post, pedindo ao Facebook e outras redes que não lhe mandem mais anúncios de maternidade, porque ela tinha perdido o seu bebê. Gillian relatava que o algoritmo tinha detectado que ela clicara em anúncios de roupas de bebê, que ela havia escrito sobre sua gravidez, e com isso teve um início uma chuva de anúncios para futuras mamães.
Associações impertinentes
Mas o algoritmo não conseguiu enxergar seu desespero quando abortou: “Nunca pedi anúncios de gravidez ou maternidade, essas empresas tecnológicas os emitiram porque quiseram, baseando-se em informação que compartilhei. Então agora o que peço é que tenham alertas para apagar esse histórico por si mesmos, baseando-se na informação que compartilho”.
Por outro lado, um dos autores do artigo foi associado durante alguns meses aos interesses “homossexual” e “Carlos Herrera” — sendo que ele é heterossexual e não escuta os programas desse radialista espanhol. Outro pesquisador aparece associado aos interesses “Hugo Chávez”, “Nicolás Maduro” e uma universidade venezuelana. Na Espanha, a orientação sexual ou ideológica de um cidadão não causa maiores riscos, mas na Arábia Saudita há 250 mil pessoas com a etiqueta “homossexual”. No Afeganistão, ainda mais. Para entender a precisão de que o Facebook é capaz, ele sabe dizer quem tem a etiqueta de “homossexual” e está de passagem pelo Afeganistão: 4.600 pessoas.
O artigo detectou outros detalhes também. Os usuários veem em média 70 anúncios por semana, 6 por sessão e 0,8 por minuto de navegação no Facebook. Isso implica que os anúncios representam entre 10 e 15% do tempo consumido no Facebook. Junto ao inchaço nos perfis, os resultados revelam outros dois dados muito interessantes: um, que há cerca de 9% de usuários que veem mais anúncios que os demais. E, dois, para os anunciantes que prolongam sua campanha imensamente, a probabilidade de que um usuário clique num anúncio cresce muito pouco na medida em que ele receba mais anúncios. Ou seja, o anúncio com mais chances de ser clicado é justamente o primeiro.
ANJ