Uma emergência de saúde mental está se desdobrando nas ilhas gregas entre solicitantes de asilo, fomentada por condições de vida precárias, negligência e violência, de acordo com relatório divulgado ontem pela organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF). MSF faz um apelo à União Europeia (UE) e às autoridades gregas para que parem de infligir mais sofrimento a uma população que já está traumatizada e também para que transfiram, de imediato, solicitantes de asilo das ilhas gregas para o continente, onde terão maiores chances de acesso a acomodações adequadas e serviços de saúde.
“Essas pessoas sobreviveram a bombardeios, violência extrema e eventos traumáticos em seus países de origem ou no caminho até a Europa”, diz Jayne Grimes, coordenadora de atividades de saúde mental de MSF na ilha de Samos. “Mas, vergonhosamente, são os problemas que eles enfrentam nas ilhas gregas que os levam ao desespero, à falta de esperança e à autoflagelação. Todos os dias nossas equipes tratam pacientes que dizem que preferiam ter morrido em seus países a estarem presos aqui”.
Conforme detalhado no relatório de MSF Confronting the mental health emergency on Samos and Lesbos (Enfrentando a emergência de saúde mental em Samos e Lesbos, em tradução livre para o português) a dimensão das necessidades de cuidados de saúde mental e a gravidade da condição dos pacientes sobrecarregou a capacidade dos serviços de saúde mental nas ilhas.
Durante o verão, em média seis ou sete novos pacientes chegavam à clínica de MSF em Lesbos por semana, com necessidades agudas após tentativas de suicídio, incidentes de autoflagelação ou episódios psicóticos. Além disso, houve um aumento de 50% no número de pacientes chegando à nossa clínica em comparação com os registros do semestre anterior.
Entre os fatores que agravam a condição mental da população está a violência vivida durante a jornada até a Europa ou na Grécia, de acordo com muitos pacientes de MSF. Uma pesquisa conduzida por MSF e pela Epicentre em Samos entre o fim de 2016 e o início de 2017 apontou que cerca de metade das pessoas entrevistadas sofreram violência ao passar pela Turquia, e que quase um quarto delas experimentou algum tipo de violência depois de chegar à Grécia. A pesquisa também mostrou que as pessoas que chegaram a Samos após a assinatura do acordo entre a UE e a Turquia, em março de 2016, relataram mais violência ao passarem pela Turquia e pela Grécia do que as que chegaram antes do acordo entrar em vigor. Estima-se que entre 50% e 70% dos casos de violência tenham sido cometidos por autoridades estatais.
MSF faz um apelo às autoridades gregas para que transfiram imediatamente os solicitantes de asilo que estão em ilhas gregas para o continente. Também pede, como medida urgente, que melhorem o acesso a cuidados médicos de saúde mental, cuidados psiquiátricos e outros serviços cruciais no local, a fim de atender às necessidades de homens, mulheres e crianças que estão extremamente traumatizados.
“Levar essas pessoas para o continente é uma obrigação humanitária”, diz Louise Roland-Gosselin, coordenadora de advocacy de MSF na Grécia. “As autoridades europeias e gregas são diretamente responsáveis por esse sofrimento. A vulnerabilidade extrema dessas pessoas e o total colapso dos sistemas nas ilhas as deixam sem escolhas”.