Quase 80% do total de recursos captados via Lei Rouanet em todo o país, entre 1993 a 2018, ficou na região Sudeste, segundo indica levantamento Concentração dos Recursos Captados por meio da Lei Rouanet da Confederação Nacional de Municípios (CNM). Os dados foram mencionados na matéria Lei Rouanet muda, mas desigualdade persiste, do jornal Valor Econômico, publicada nesta segunda-feira, 1º de outubro. Só no ano passado, São Paulo e Rio de Janeiro receberam 46% e 22% do total, respectivamente.
De acordo com o mapeamento da CNM, da verba captada no Sudeste, entre 2016 e 2018, 78,2% foram para as capitais do Rio e São Paulo. As duas ficaram com 40% e 20% da verba total de fomento à Cultura da região. "Ou seja, o interior dos Estados - que somam 735 Municípios - podem se encontrar em realidades equivalentes a das regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul e dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo", aponta o presidente da Confederação.
Na região Norte, entre 1993 e 2018, os recursos captados correspondem a 15% do que foi obtido na região Sudeste apenas em 2017 ou a tudo que foi levantado no Sul só em 2017. A realidade levantada pela Confederação já havia sido debatida com os gestores do Norte do país, durante encontro do Projeto Municípios Amazônicos. Ficou mais do que claro a mostrar a necessidade de ações que descentralizem a verba. O panorama agora ganha espaço na mídia nacional.
Sinais
No entanto, a CNM identifica um princípio de desconcentração dos recursos em 2017, que parece ter continuidade em 2018 - ainda que neste ano, o grosso da alocação de verbas ainda não tenha acontecido. Os recursos captados pelo Sudeste chegavam a 80,49% do total em 2016, caindo a 78,85% em 2017 e para 74,35% até agosto deste ano. "É ainda muito acanhada, mas começou uma desconcentração", disse o presidente da CNM, Glademir Aroldi, em entrevista ao Valor.
Segundo Aroldi ainda não é possível afirmar com certeza que isso já é efeito das normativas de março e dezembro, mas os números de 2018 poderão trazer pistas adicionais. A CNM destaca, porém, que a nova regra trata apenas das desigualdades regional e interestadual, mas não ataca as diferenças "intraestaduais" - verificadas entre capitais e interior dos estados, mesmo na região Sudeste.
Legislação
A matéria do Valor explica que Lei de Incentivo à Cultura 8.313/1991, conhecida como Lei Rouanet, tem três instrumentos: os Fundos de Investimento Cultural e Artístico (Ficarts), o Fundo Nacional da Cultura (FNC) e o incentivo fiscal. O primeiro nunca foi implementado, o segundo enfrenta dificuldades por depender de verba do governo, o que fez o terceiro - também chamado de mecenato - se confundir com a própria lei.
O texto destaca ainda que, pelo mecanismo de incentivo fiscal, empresas e pessoas físicas podem aplicar uma parcela do Imposto de Renda (IR) devido para apoiar projetos aprovados pelo Ministério da Cultura (MinC). Só em 2017 o mecanismo somou R$ 1,19 bilhão, sendo R$ 937 milhões destinados ao Sudeste. O Estado de São Paulo recebeu sozinho R$ 542 milhões, e a capital paulista, R$ 485 milhões.
Diferenças
“As empresas decidem até o fim do ano onde vão colocar a maior parte dos seus recursos para financiar a cultura via renúncia fiscal pela Lei Rouanet. Apesar de uma iniciativa recente do Ministério da Cultura para tentar reduzir as enormes diferenças entre as verbas recebidas por Rio e São Paulo e o resto do país, especialistas avaliam que o movimento é insuficiente para mitigar as desigualdades”, destaca o texto do jornal.
A reportagem também ouviu o diretor da startup Simbiose Social, Octavio Augusto de Barros; e a responsável pela área de incentivo fiscal do Cesnik Quintino e Salinas Advogados, Flávia Manso. E mencionou ainda a Instrução Mormativa 5/2017 do MinC, substituída por nova regulação, que ampliou o limite referente à quantidade e aos valores de projetos que podem ser apresentados pelos proponentes, em até 25% para projetos integralmente realizados na região Sul e em Minas Gerais e no Espírito Santo; e em até 50% para Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
MinC
Normativa
Outra mudança foi elevar o limite para remunerar captadores de recursos, de 10% do valor do custo do projeto integralmente realizados nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, para 12,5% no Sul e em Minas Gerais e Espírito Santo e 15% no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Ainda assim, em nota, o Ministério reconhece "que falta no arsenal de mecanismos de fomento à cultura em nível federal um programa de fomento direto, complementar ao mecenato".
O MinC sinaliza que o instrumento poderia contar com cotas regionais para alocação de recursos e coinvestimento com Estados, capitais e consórcios de Municípios, a exemplo do Fundo Setorial do Audiovisual. A pasta indica que o Fundo Nacional de Cultura é um fundo contábil do Tesouro e está sujeito às limitações do Orçamento da União. "O ideal seria transformá-lo num fundo financeiro", defende o MinC. "E também destinar recursos das loterias diretamente pela Caixa a projetos culturais, sem passar pelo Tesouro".
CNM