Há 18 anos, no estado do Espírito Santo, a camponesa Nelci Sanches da Rocha, de 59 anos, vivia em busca de um lugar para morar. Sem-terra e sem amparo, a agricultora se uniu a outras famílias que também buscavam uma vida melhor para seus filhos e parentes.
Nelci e cerca de 320 famílias estavam abrigadas em uma fazenda chamada Castelo e, devido a disputas de terra, foram despejadas do lugar que chamavam de lar. O grupo foi em busca de um pedaço de chão para viver com seus filhos. Enquanto procuravam um novo lugar, essas famílias ficavam acampadas em barracas de lona. Entre as famílias, existiam mulheres que carregavam consigo a dor de não dar a mínima estabilidade para seus meninos e meninas.
Dona Nelci, com os três filhos e sem propriedade, andava à procura de terra, carregando as crianças no colo, com a esperança de achar um espaço para chamar de seu. Hoje, ao lembrar os momentos vividos em meio à peregrinação por um lar, ela se emociona com as condições em que vivia no acampamento.
“Sofríamos, pois tínhamos muito medo, éramos ameaçadas. Tivemos que ver nossas roupas, barracas e outros pertences sendo destruídos.”
Durante essa longa busca, muitas famílias se separaram, mas 33 se mantiveram unidas e encontraram uma terra localizada no município de Guaçuí (ES). “Quando chegamos no nosso pedacinho de terra, a nossa maior dificuldade foi a produção.”
Nas adversidades, nasceu a ideia de sete mulheres se unirem em prol do sonho de uma vida melhor. Juntas, as agricultoras formaram o grupo “As Camponesas do Assentamento Florestan Fernandes”.
As camponesas conseguiram participar de um curso oferecido por uma universidade local. A formação teve duração de dois anos e estimulou as mulheres a avançarem com o trabalho no campo. Em 2015, elas trabalhavam com a fabricação de pães e biscoitos. A comunidade se desenvolveu e, por meio de programas de governo, começou a comercializar os produtos para Guaçuí e São José do Calçado, também no Espírito Santo.
A cooperativa se capacitou em diversos meios de produção, empreendedorismo e associativismo. Mas durante dois anos, a produção foi atravancada por impasses burocráticos e técnicos. As mulheres precisavam regularizar a produção de novos alimentos e bebidas — polpa de frutas, suco de laranja e doces. Para resolverem essa situação, era necessário construir uma estrutura física e adquirir equipamentos para legalizar o processamento de frutas no assentamento.
Com a venda dos pães, elas puderam adquirir algumas máquinas. Entre os utensílios adquiridos, estava a “despolpadeira” – uma ferramenta que ajuda a separar a polpa das sementes — e o freezer para processar e armazenar as frutas. Mesmo assim, faltaram recursos e o processamento das frutas foi temporariamente suspenso.
Agora, com um programa do governo federal, as agricultoras conseguiram fundos para a agroindústria de polpa de frutas. O novo espaço será inaugurado em janeiro de 2019. As camponesas do assentamento Florestan Fernandes também produzem e comercializam geleias e licores nos mercados de Guaçuí e nas feiras de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
Com uma abordagem agroecológica, o grupo de mulheres defende o desenvolvimento rural sustentável. As agricultoras buscam manter a produtividade agrícola com o mínimo possível de impactos ambientais.
“Quando eu trilhava um caminho e via que não era o caminho certo, eu mudava de rumo, me fortalecia. Eu lutava e acreditava que seria possível. O segredo sempre será nunca desistir”, completa Nelci ao olha para trás e ver o legado que construiu com suas companheiras de ativismo e de trabalho no campo.
15 dias pela autonomia das mulheres rurais
Os papéis desempenhados pelas mulheres rurais são tão numerosos quanto suas lutas e vitórias. O que não faltam são histórias de vida inspiradoras. No entanto, elas ainda não têm o reconhecimento merecido. Sofrem com o preconceito e a desigualdade de gênero.
Ainda há um longo caminho para a igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres no campo. A fim de mostrar que a equidade de gênero e o respeito são valores necessários cotidianamente, a ONU decretou 2018 como o Ano da Mulher Rural.
A partir de 1º de outubro, serão publicadas no portal da FAO uma série de reportagens que fazem parte da Campanha Regional pela Plena Autonomia das Mulheres Rurais e Indígenas da América Latina e do Caribe – 2018. Serão 15 dias de ativismo em prol das trabalhadoras rurais que, de acordo com o censo demográfico mais recente, são responsáveis pela renda de 42,2% das famílias do campo no Brasil.