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Terça, 11 de abril de 2017, 13h46

Índios do Xingu vêm a Cuiabá falar sobre livro que visa preservação do conhecimento tradicional


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Lideranças wauja, uma das 16 etnias que compõem o Território Indígena do Xingu (TIX), estarão presentes e irão discursar na cerimônia de assinatura dos contratos dos projetos aprovados em editais lançados pela Secretaria de Estado de Cultura de Mato Grosso (SEC-MT). Isso porque o projeto "Circuito Kamukuwaká: o livro de Kamukuwaká e Yakuwixeku", de autoria do Instituto Homem Brasileiro (IHB) em parceria com os próprios indígenas, foi aprovado na segunda edição do "Prêmio Territórios MT". O evento acontece nesta terça-feira (11.04), às 19h, no Salão Nobre Cloves Vettorato, localizado no Palácio Paiaguás.

A proposta aprovada consiste na realização de oficinas de registro etnográfico que contribuirão para a finalização de um livro didático, cujo processo de construção visa potencializar a autonomia wauja, incentivando e instrumentalizando as novas gerações no sentido de registrar as narrativas, saberes e práticas ancestrais, de modo que o conhecimento tradicional seja preservado e repassado. Na cerimônia estarão presentes os líderes indígenas Apayupi Waurá e Akari Waurá, além do professor de letras Piratá Waurá. O governador Pedro Taques e o secretário de Cultura, Leandro Carvalho, também confirmaram presença.

A importância do projeto para os indígenas é tamanha que fizeram uma viagem de quase dois dias inteiros, saindo da aldeia, localizada no Alto Xingu, até chegarem em Cuiabá. Não por acaso os membros do Instituto Homem Brasileiro optaram por deixar que os próprios wauja discorram sobre a iniciativa, uma vez que o projeto incide em questões não só de preservação cultural, mas também ambiental e de subsistência das populações. "Estes aspectos são sentidos na pele pelos wauja. Nada mais natural do que deixá-los falar sobre o assunto", pontuou a arqueóloga Gabriele Viega Garcia, uma das representantes do IHB.

 

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A importância do registro

Os aspectos citados por ela são referentes à gradual dissolução do conhecimento tradicional dos povos wauja devido a um certo "afastamento" por parte das novas gerações, fato constatado a partir de estudos etnográficas realizadas por pesquisadores do Instituto desde 2014 no TIX. Segundo Garcia, muito se deve à falta de registro, já que tudo é transmitido de maneira oral.

Resgate da significação mitológica

Portanto, um primeiro passo no propósito maior de registro deste conhecimento tradicional é resgatar as narrativas do mítico Kamukuwaká e do pescador Yakuwixekú, que estão no cerne do ritual de furação de orelha, cerimônia de iniciação do jovem wauja, um dos pilares que sustenta a identidade e o cotidiano da etnia. Segundo a crença local, Kamukuwaká liderou seu povo no confronto contra o invejoso Kamo (Sol), conduzindo-os ao céu para fugir de seres malignos enviados pelo inimigo. Em tempos diferentes, a história de Yakuwixekú e seus irmãos conta uma nova subida ao céu, onde aprenderam tudo sobre o rito de iniciação.

Entretanto, a gruta Kamukuwaká, onde se passa estas narrativas, fica localizada fora dos limites do TIX, o que restringe a experiência dos jovens índios apenas ao relato oral dos grandes feitos dos heróis, impossibilitando que conheçam pessoalmente o espaço físico onde teriam ocorrido tais façanhas. Esta vivência, apostam os pesquisadores, despertaria uma maior fascinação pela mitologia e identidade de seu povo, como acontecera com seus antepassados.

Relevância cultural e ambiental

Além do mais, a relevância do projeto extrapola os limites de preservação cultural. Afinal, a gruta é um importante sítio arqueológico de arte rupestre, situado na margem esquerda do rio Batovi. Sua relevância arqueológica, histórica, antropológica e ambiental é inquestionável, tanto é que foi tombada como patrimônio da União em 2010, definindo-se então como Complexo Sagrado de Kamukuwaká.

 

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Todavia, por estar isolada do TIX, sua preservação ainda está ameaçada pelas frentes de exploração agropecuária que circundam a área e fazem uso indevido dos recursos ambientais, causando, dentre outros danos, o assoreamento. Por isso, de acordo com a arqueóloga, do ponto de vista wauja, estes espaços têm muito mais do que uma significação mitológica, são também áreas de circulação, exploração, sociabilização e reprodução cultural. Consequentemente merecem cuidados específicos e permanentes.

"Circuito Kamukuwaká: o livro de Kamukuwaká e Yakuwixeku"

A iniciativa surgiu na sequência de um projeto de Gestão Ambiental, iniciado em 2014. Desde então, apresenta um enfoque colaborativo, composto por uma equipe interétnica formada por pesquisadores indígenas e do IHB, que reúne arqueólogos, antropólogos, professores, alunos, fotógrafos, historiadores e anciões.

Pretende-se, com essa abordagem colaborativa, capacitar os pesquisadores indígenas na pesquisa etnográfica e produção de material didático para ser inserido no programa letivo das escolas wauja. A proposta é que o livro reúna conteúdo escrito, ilustrações, fotografias...

Enfim, o objetivo que norteia todo o projeto é o de preservar e redinamizar os mecanismos de transmissão do conhecimento tradicional, a fim de que os indígenas possam, em breve, fazer todo registro por conta própria.

"O nosso almejo principal é a autonomia dos wauja, na execução dos trabalhos de registro e pesquisa sobre a sua cultura. Essa autonomia vem com as ações conjuntas de registro etnográfico que viemos desenvolvendo, fomentando também uma familiarização com as novas tecnologias de informação", explica Garcia.

Uma frase célebre do filósofo irlandês Edmund Burke (1729-97) pode ser aplicada – com uma pequena mudança - ao atual contexto dos povos indígenas do Xingu. Ele afirmou que "um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la". Neste caso, seria mais apropriada dizer que "um povo que não conhece a sua história está condenado a deixar de existir". Portanto, devido a questões ambientais e, principalmente, para garantir a preservação de um povo e de sua memória cultural, é que o projeto se faz necessário.

 




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