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Quarta, 15 de novembro de 2017, 19h05

Jordânia: vivendo com diabetes em Irbid


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“Fomos embora por causa da guerra na Síria, devido ao medo desse conflito e dos bombardeios”, diz Um Abdullah, [1] mãe de seis crianças da província síria de Dara’a. Ela fecha os olhos e conta os anos nas próprias mãos. “Viemos para a Jordânia há quase seis anos. Eu temia pela segurança dos meus filhos. Eu tive três filhos e quatro filhas, mas perdi um deles durante a guerra”.

Buthaina, filha de Um Abdullah de 9 anos de idade, está sentada ao lado da mãe e olha para ela como se ouvisse essas palavras pela primeira vez. “Havia bombardeios acontecendo. Meu filho estava ajudando os amigos a entrarem no porão para se abrigarem ali. Ele estava ao lado da porta quanto foi ferido e morreu”. Um Abdullah para de falar para respirar profundamente; o silêncio preenche a sala da clínica onde a organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) trabalha tratando pacientes com doenças crônicas. Ela procura seu café e dá um pequeno gole, depois diz com um sorriso: “Alaa, o enfermeiro de MSF daqui, insiste que eu tome meu café sem açúcar, mas eu estava morrendo de vontade de algo doce”.

Um Abdullah descobriu que tinha diabetes há três anos, quando ia realizar uma cirurgia e os exames mostraram um alto nível de açúcar no sangue. Na época, ela aceitou a notícia com tranquilidade. “Eu estava preocupada com o fato de que ia fazer uma cirurgia e estava muito ocupada para pensar no nível de açúcar no meu sangue”, diz ela.

Tomando mais um gole de café, Um Abdullah olha para sua filha. “Buthaina tinha quatro anos quando os ataques e bombardeios estavam acontecendo na Síria”, conta ela. “Uma semana depois de chegarmos na Jordânia, ela ficou presa em um elevador e demoramos uma hora para conseguir tirá-la dali. No dia seguinte, seu hálito estava forte e, às vezes, quando estava brincando, se sentia fraca e tinha que parar. Sabíamos que não devíamos esperar muito tempo, então a levamos ao hospital. Quando os resultados do teste chegaram, descobrimos que ela sofria de diabetes tipo 1. A taxa de açúcar no seu sangue era de 350 e seu pâncreas havia parado de funcionar. Ela tinha apenas 4 anos de idade. Foi então que tudo começou”.

Sua filha pede licença para ir ao banheiro e Um Abdullah continua falando: “Não temos diabetes na família - a doença da minha filha não é hereditária. Ninguém acredita em mim, mas eu acho que é relacionado a traumas psicológicos. Somos sírios vivendo na guerra – todos nós ficamos hipertensos e diabéticos”.

Com um olho na porta esperando a filha voltar, ela continua: “Aos sete anos, Buthaina começou a enfrentar dificuldades na aceitação de sua doença. Ela começou a escola, onde via amigos comendo biscoitos e chocolates e bebendo Coca-Cola. Ela se sentia diferente ao ver que eles podiam escolher livremente o que comeriam e ela não”.

Um Abdullah deixa seu copo de café na mesa ao lado antes de começar a falar novamente: “Seu pai e eu vivemos em uma ansiedade constante. Ficamos ansiosos toda vez que ela vai dormir – houve duas vezes em que nós quase a perdemos porque seu nível de açúcar diminuiu muito enquanto ela dormia. Quando isso acontece, só descobrimos depois que ela acorda: sua voz treme, como se ela tivesse espasmos na garganta. Assim que acontece, misturamos açúcar com água e aplicamos nos seus dentes e sua gengiva – só assim ela recobra a consciência – e então nós a levamos ao hospital. Por isso gosto de dar a ela um pedaço pequeno de chocolate antes de ela ir dormir, penso que é melhor que seu nível de açúcar aumente do que diminua”.

A porta se abre e Buthaina entra. Sentada no chão, ela escuta a conversa e sacode levemente o braço da mãe, querendo participar, mas ao mesmo tempo muito tímida para que sua voz seja ouvida. “Buthaina conhece muito bem o próprio corpo”, diz a mãe. “Ela sabe quando o nível de açúcar cai e quando está alto. Ela faz seu teste de diabetes sozinha e compara os resultados. Estou orgulhosa de vê-la sendo tão responsável”.

Como será que Um Abdullah e seu marido pagavam pelo tratamento a longo prazo de Buthaina? “Primeiro visitamos o hospital, que nos forneceu insulina”, lembra Um Abdullah. “Depois, nos disseram que os sírios não seriam mais aceitos no hospital e que deveríamos começar a procurar alternativas”. Durante sua pesquisa por alternativas de cuidados médicos, eles ouviram um vizinho falar sobre MSF. “Ele disse que MSF estava registrando pacientes, então corri até a clínica e a equipe nos registrou imediatamente”, diz Um Abdullah. “Agora temos consultas agendadas todo mês. Nossos medicamentos são caros, mas MSF os fornece gratuitamente”.

Um Abdullah e Buthaina se preparam para sair. Na porta, Um Abdullah vira, hesitante, como se quisesse dizer algo que estava em sua mente desde o momento em que chegou. “Um dos motivos de não voltarmos para a Síria é a doença de Buthaina”, diz ela. “Tenho medo que ela não encontre lá a assistência médica que ela recebe aqui. É difícil encontrar insulina em nossa cidade. Nem as faixas usadas para a medição diária de diabetes estão disponíveis na Síria. Seu tratamento poderia ser facilmente interrompido. Imagine um paciente diabético cuja dose de insulina é interrompida por um dia: isso seria o fim para ele”.

A cada menção da Síria, as emoções de Um Abdullah vêm à tona, apesar de suas tentativas de escondê-las. “Se a guerra terminar, vou voltar para o meu país, a Síria”, ela diz. “Depois que fomos embora, percebi o quanto minha terra natal é valiosa e preciosa. Ainda mais importante: se eu pudesse garantir bons cuidados de saúde para minha filha lá, voltaria imediatamente”.

** Nomes foram alterados

 

 




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