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Sábado, 23 de dezembro de 2017, 08h07

Cuidando da saúde mental de homens e mulheres em Cali, Colômbia


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Jonathan Martinez trabalha como psicólogo no projeto de Médicos Sem Fronteiras (MSF) em Cali, que oferece apoio a familiares de pessoas forçadamente desaparecidas. Recentemente, Jonathan trabalhou em Buenaventura durante dois anos, oferecendo assistência a vítimas da violência e das mudanças de um conflito “clássico”, entre grupos armados, para uma crise mais urbana, ligada às rotas de tráfico de drogas, controle de territórios e supremacia nos bairros. No dia do psicólogo, celebrado na Colômbia em 20 de novembro, Martinez explicou, na entrevista a seguir, a importância de derrotar os falsos mitos sobre saúde mental entre a população masculina: “Não se trata de uma questão para homens ou mulheres; se trata de seres humanos. Não é questão de fragilidade, mas sim de humanidade. Todos os seres humanos nestes contextos vivenciam algum tipo de sofrimento e precisam mobilizar recursos adicionais a fim de preservar a sua saúde mental”.

Por que é necessário continuar insistindo na ideia de que a saúde mental ou a busca por um psicólogo é para todos, independentemente de seu sexo?

A Colômbia, assim como outros locais, é uma sociedade muito patriarcal. Ainda é muito reforçado para os meninos que “homens não choram”. Aos homens não é permitido expressar sofrimento, pesar, dor. Porém, poder se expressar, quando se está triste e pesaroso, e, sobretudo, pedir algum apoio não é uma questão exclusiva de homens ou de mulheres, mas sim uma questão de humanidade. Ainda temos que sensibilizar muito a população sobre isso. Em nosso projeto de Cali, apenas um a cada cinco pacientes é homem, contra uma média de um a cada três nos demais projetos, e isso obedece essas crenças.

Como os homens chegam aos projetos de MSF? Esperam encontrar um psicólogo?

Muitos pacientes chegam à consulta psicológica por meio de suas esposas ou filhas que já passaram por nosso serviço. Não temos um critério designado: os homens podem ser atendidos tanto por psicólogas como por psicólogos. Porém, em algumas ocasiões eles solicitam atendimento com psicólogos, porque se sentem mais confortáveis assim. Apesar disso, inclusive nos casos em que houve violência sexual, o mais importante é que haja confiança entre o psicólogo(a) e o sobrevivente. E é algo que também deve ser transmitido nesse tipo de situação – pela qual ninguém deveria passar – na qual a humilhação é enorme, tanto no sentido físico, verbal e mental, e esses sentimentos vão permanecer ali, causando dor. E, para continuar vivendo, o sobrevivente deve fazer algo e se dar uma chance de superação; dar um passo adiante para vencer a dor, o que já é muito.

A dor se somatiza de forma diferente em homens e mulheres?

Frequentemente, os dois manifestam a dor psicológica em forma de dor física, com dores de cabeça e de estômago, ansiedade, palpitações e irritabilidade. Além disso, para os homens talvez haja uma questão de impotência: na teoria, se seu papel é de proteger a família e você sofre um episódio de violência no qual não foi possível defender seus familiares, sua função é questionada, o que pode levar ao desespero ou à necessidade de vingança para recuperar esse poder perdido. Isso pode levar a condutas violentas ou de evasão autodestrutivas.

Registramos muitos casos de consumo de álcool, um padrão negativo de conduta que ainda é muito aceito socialmente: “é um alívio para a dor”, “beber para esquecer”, “beber muito é para os machos”. É uma combinação terrível.

O que você diz quando alguém chega acompanhado de um familiar?

Que não estamos falando de fraquezas ou forças, nem tratando de questões de masculinidade ou virilidade, mas sim de uma doença. Se você sente dores no corpo, vai ao médico. Se você sente dor na alma e na mente, também deve procurar assistência profissional. E procurar essa ajuda é o meio de voltar a ocupar seu próprio papel em sua vida e de proporcionar novamente bem-estar à sua família, assim como recuperar o seu.

Existe relação entre os níveis de violência vivenciados em espaços públicos e aquilo que é vivido no ambiente doméstico?

Sim. Quando a família passa por um evento traumático, isso mexe com todos os membros, das crianças aos pais: os menores desenvolvem comportamentos estranhos ou de rebeldia e a mãe ou o pai podem se tornar mais irritáveis. Há uma sensibilidade maior, menos tolerância e um controle menor dos próprios impulsos, o que pode facilitar atritos, impaciência e o uso da violência.

E no caso de familiares desaparecidos?

Nesse caso, a figura masculina pode carregar ainda por cima um sentimento de culpa: por ter que continuar sustentando a família, não pode se dedicar à busca do desaparecido da mesma forma que os outros membros do núcleo familiar. Essa frustração também pode desencadear condutas de risco: consumo descontrolado de álcool ou, inclusive, colocar a si mesmo em risco fazendo buscas em zonas perigosas. No caso de desaparecimentos, fica um vazio enorme, no qual todas as especulações ou qualquer relato do que possa ter acontecido são cabíveis. É determinante que isso seja visto dessa forma, como especulação. Também é preciso tentar normalizar a vida, curar as relações familiares e tentar voltar à rotina, para que o terrível evento não ocupe de forma maciça todo o espaço familiar.

Por que MSF decidiu apoiar famílias de pessoas desaparecidas?

Existe um reconhecimento institucional de que o desaparecimento é um ato premeditado e criminoso, com a finalidade de não deixar rastros. A pessoa desaparece e, junto dela, o delito. Essa perda tem um forte impacto sobre os familiares no que diz respeito à saúde mental. Ao mesmo tempo, existe uma capacidade limitada para enfrentar essas necessidades por parte do Estado e de outras organizações não-governamentais. Nosso compromisso é oferecer apoio às famílias, acompanhá-las nesse processo e reconhecer a existência dessa situação e o sofrimento causado por ela.

Quantos pacientes MSF atendeu na Colômbia este ano e em quais lugares?

Trabalhamos em Buenaventura e em Tumaco com sobreviventes de violência sexual e outras situações de violência. Também temos uma equipe de resposta a emergências que monitora a situação sanitária e humanitária nacionalmente. Além disso, neste ano abrimos dois projetos, em Cali e em Puerto Asís, a fim de acompanhar familiares de pessoas desaparecidas. No total, entre janeiro e outubro, atendemos 494 sobreviventes de violência sexual (42 homens e 452 mulheres) e 1.706 pessoas foram beneficiadas pelo apoio psicológico (397 homens e 1.309 mulheres). 




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