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Quinta, 08 de novembro de 2018, 18h04

Trump insiste em retórica, desinformação multiplicada nas redes sociais e ataque à imprensa


Algumas horas antes do pleito da última terça-feira (6), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, lançou na mesa do jogo eleitoral norte-americano o que parecia ser sua última carta, do mesmo naipe das que havia espalhado nos últimos meses: a clara intenção de criar medo e divisão política e social, potencializados nas redes sociais, para garantir a vitória dos republicanos. Diante dos resultados das urnas, que para muitos analistas poderiam ser uma espécie de referendo sobre a gestão do republicano, Trump sinalizou ter sentido o golpe da derrota na Câmara e, como reação, manteve o carteado virulento, mostrando em alguns casos a disposição de avançar mais, de preferência via desinformação. “Quando a busca pela verdade e os fatos não são mais importantes, e a mentira é minimizada, o que está em risco é a democracia. Esse é, desde já, o legado de Donald Trump”, sintetizou a editora-chefe da Deutsche Welle (DW), Ines Pohl.

Logo depois dos primeiros resultados da eleição desta semana, no Twitter, Trump fez de conta que não houve prejuízo com a derrota na Câmara, destacando a manutenção da maioria no Senado. "Tremendo sucesso", escreveu, apesar do enorme desgaste de perder o controle entre os deputados, relatou a Reuters. Ao longo da tarde de quarta-feira (7), manteve sua verve maliciosa. Deu declarações vistas como uma ameaça aos democratas e atacou a imprensa – quando sobrou até para a conservadora emissora Fox News– e jornalistas. Trump também demitiu o procurador-geral (chefe do Departamento de Justiça), Jeff Sessions, no que a oposição considerou uma tentativa de barrar as investigações sobre a interferência russa nas eleições de 2016, informou O Globo. Finalmente, destacou que poderá incentivar a regulação das empresas de mídias sociais, muitas das quais ele já acusou de adotarem posição contrária a ele e outros conservadores, em meio aos bloqueios feitos por Google, Facebook e Twitter de conteúdos de clara apologia ao ódio.

Em relação à imprensa, o mais recente episódio protagonizado por Trump ocorreu quando ele recebeu os jornalistas, na quarta-feira, para comentar o pleito. O presidente passou a discutir com Jim Acosta, correspondente-chefe da CNN, ao ser questionado se sua retórica durante a campanha havia "demonizado" migrantes, sobretudo os das caravanas de centro-americanos que cruzam o México em direção aos Estados Unidos. Na corrida eleitoral, o presidente chegou a dizer – antes de voltar atrás – que os soldados disparariam contra "invasores".

Em seguida, o governo norte-americano provocou críticas ao anunciar o descredenciamento do repórter, desvirtuando a realidade sobre a discussão. A secretária de Imprensa da Casa Branca, Sarah Sanders, divulgou comunicado em que argumenta ter vetado Acosta por vê-lo "pôr as mãos" em uma estagiária na ocasião, sugerindo uma agressão por parte do repórter. "Isto é uma mentira", rebateu Acosta. O vídeo do embate entre os dois mostra que a mulher, a pedido de Trump, tentou pegar o microfone da mão direita do profissional, e ele, para impedi-la, escorou o braço dela com a mão esquerda e pediu desculpas. "Com licença, senhora", disse ao reter o objeto.

Ameaça a princípios democráticos

As jogadas depois da eleição indicam que o presidente norte-americano seguirá na retórica agressiva, mesmo que, ao contrário de 2016, ela não tenha garantido vitória no pleito deste ano. Esse discurso agressivo, mostram diversos estudos, é considerado perigoso ao alimentar a desinformação e o ódio nas redes sociais, principalmente em períodos eleitorais. Uma orquestração que ameaça a democracia. Muitos pesquisadores dizem que a prática insufla iniciativas semelhantes de outros líderes políticos, agravando os cenários principalmente nos países comandados por governos autoritários.

Apesar da insistência de Trump e da elevada produção e profusão de mentiras e ódio espalhadas na web, a eleição legislativa norte-americana encerrada nesta semana, afirmam especialistas, pode ter registrado menos impacto da chamada “toxidade” na internet do que em 2016. A percepção é a de que a pressão social imposta a empresas como Google, Facebook e Twitter e uma bem mais organizada ação jornalística de verificação de fatos, dentro e fora das principais redações dos veículos de comunicação, evitou o pior. Mas o processo eleitoral encerrado nesta semana mostra que a ameaça da desinformação permanece viva e atuante.

Desinformação horas antes do voto

No último lance de Trump, na noite de segunda-feira (5), por exemplo, o republicano recorreu ao seu espaço preferido para manifestações, o Twitter, e alertou a população sobre a possibilidade de fraudes nas eleições legislativas. Assim como em outras ocasiões, não apresentou prova alguma. "O sistema legal foi fortemente orientado a vigiar de perto qualquer VOTAÇÃO ILEGAL que possa ocorrer nas eleições de terça-feira (ou votação antecipada). Qualquer pessoa pega estará sujeita às penalidades criminais máximas permitidas por lei. Obrigado!", escreveu o presidente, repetindo a das eleições de 2016, quando ele acusou ilegalidades no sistema eleitoral.

Ao chegar a um comício em Cleveland (Ohio), Trump acusou imigrantes ilegais de votarem nos EUA. Para participar das eleições, é necessário ter cidadania americana. "Basta dar uma olhada. Tudo o que você precisa fazer é dar uma olhada no que aconteceu ao longo dos anos e verá. Há muitas pessoas, muitas pessoas, na minha opinião, e baseadas em provas, que tentam entrar ilegalmente e na verdade votam ilegalmente. Então, só queremos que eles saibam que haverá processos", disse o presidente. Em nota, o Departamento de Justiça repetiu as alegações do presidente. "A fraude no processo de votação não será tolerada. A fraude também corrompe a integridade da votação secreta", destacou o órgão, sem apresentar provas.

Especialistas ouvidos pela imprensa norte-americana, segundo o jornal O Globo, criticaram a postura de Trump, que gera dúvidas em um sistema que é a base da democracia. Para Kristen Clarke, presidente do Comitê dos Advogados pelos Direitos Civis Sob a Lei, Trump foi "incrivelmente antipatriota" nas declarações. "No momento em que precisamos que a Casa Branca e o Departamento de Justiça se manifestem contra a implacável campanha de supressão de eleitores (estados republicanos estão sendo acusados de dificultar o voto de negros e pobres, fechando locais de votação) neste ciclo eleitoral, isso desafia a razão", disse ela ao "Washington Post".

Mesmo seguindo os passos de Trump, o procurador-geral e chefe do Departamento de Justiça, Jeff Sessions, teve de deixar o cargo na tarde de quarta-feira (7), a pedido do presidente. A saída foi anunciada pelo republicano no Twitter, em mensagem na qual também revelou que Matthew G. Whitaker, até então chefe de gabinete de Sessions, será o substituído, pelo menos temporariamente. A queda do chefe do Departamento de Justiça tem ligação mais antiga com a estratégia de Trump que passa pelo declaratório beligerante e, muitas vezes, falso, sempre reverberado nas redes sociais.

O presidente já pensava em demitir Sessions desde que o ex-procurador-geral preferiu não supervisionar a investigação conduzida pelo procurador especial, Robert Mueller, sobre a influência russa na eleição de 2016. Ele se declarou impedido após acusações de ter participado de reuniões com russos e, em janeiro deste ano, foi interrogado. Com a troca no Departamento de Justiça e a manutenção do controle no Senado, Trump espera resultados mais positivos a ele na apuração sobre a influência Russa em 2016. No entanto, enfrentará dificuldades na Câmara, até para a aprovar o nome que vai sugerir para o cargo de procurador-geral.

“Nós aprendemos muito; e ainda não aprendemos nada”

Mesmo que as notícias falsas e discursos extremistas, insuflados por Trump, possam ter causado menos impacto neste ano do que na eleição de 2016, as tentativas de desinformar parecem ter mantido a mesma proporção ou até aumentado. O Twitter, por exemplo, deletou mais de 10 mil contas automatizadas que postavam mensagens para dissuadir pessoas de votar nas eleições dos Estados Unidos na última terça-feira e apareciam falsamente como sendo de democratas, depois que o partido alertou sobre as postagens para a empresa de mídia social. “Agimos sobre contas e atividade relevante no Twitter”, disse o porta-voz do Twitter, Ian Plunkett, por e-mail. A remoção ocorreu no fim de setembro e início de outubro.

Em geral, as redes sociais, pressionadas pelas críticas segundo as quais não manifestaram real vontade de resolver os problemas informação falsa ou incendiária sobre assuntos políticos em suas plataformas, garantiram ter tomado mais cuidados na eleição desta semana. Snapchat, Facebook e outras empresas fizeram campanhas com mensagens motivando seus usuários a votar, além de informar detalhes de como garantir a votação. Em 2016, segundo analistas, um dos objetivos daqueles que propagaram desinformação era desmotivar o voto dos democratas. As redes sociais também incentivaram os eleitores a engajar os seus amigos virtuais, avisando quando votarem.

“Nós aprendemos muito; e ainda não aprendemos nada”, lamentou a jornalista Anne Applebaum, colunista do jornal The Washington Post. “Sabemos como as mídias sociais aumentam a polarização, como a checagem de fatos atinge apenas um público restrito, como a falta de regulamentação possibilita propagandas políticas falsas e opacas e como os algoritmos favorecem visões raivosas e extremas. O Congresso (dos EUA) e os Parlamentos do Reino Unido e da União Europeia realizaram audiências para discutir o problema. O Facebook e o Twitter retiraram algumas contas de origem russa. Mas essas mesmas técnicas de distorção ainda estão em operação”, disse Anne.

A jornalista afirmou que a desinformação e o ódio continuam a moldar o debate político em muitos países ao redor do mundo. “Eles estão sendo usados não apenas por russos, mas por pessoas nos países que eles buscam influenciar. Esses ativistas, muitas vezes se escondendo atrás de contas falsas, continuam a agir com impunidade, promovendo narrativas falsas e confiando nas principais plataformas, Facebook, Twitter, Google e especialmente YouTube, para amplificar suas mensagens”, alertou.

Há estudos que indicam, inclusive, a desinformação está mais aprimorada e é produzida em maior quantidade. Recente pesquisa do Oxford Internet Institute, por exemplo, descobriu que a quantidade de “junk news” – o que inclui notícia falsas, publicações sem autoria clara e excessivamente polarizadas, preconceito e conspiração – em circulação é realmente maior do que em 2016.

Robôs a serviços do extremismo e publicidade política

Nas redes sociais, é mais provável que as pessoas vejam um anúncio segmentado de um grupo político não identificado com uma agenda opaca do que mensagens difundidas diretamente por políticos. Aqueles que acompanham as notícias online também são muito propensos a ver informações produzidas por robôs. não criadas por humanos. Ferramenta criada pela startup Robhat Labs, por exemplo, revelou que, até uma semana antes da eleição dos Estados Unidos, cerca de 60% da conversa no Twitter ainda era impulsionada por contas falsas. Outra pesquisa, conduzida pela Liga Anti-Difamação, descobriu que quase um terço da propaganda antissemita disseminada online também vem de robôs.

“As medidas paliativas tomadas voluntariamente pelas empresas de mídia social são como band-aid em uma ferida aberta”, disse Anne Applebaum. A jornalista ressalta que o Facebook e o Twitter contrataram pessoas para monitorar o discurso de ódio, mas outros passos mais óbvios não foram dados. “Os robôs de mídia social poderiam ser totalmente banidos. Procedimentos mais rigorosos podem impedir a criação de contas anônimas. O YouTube, entre outros, pode alterar seus algoritmos para que as fontes conhecidas de desinformação não continuem no topo da audiência. Os legisladores podem forçar a publicidade política online a atender a padrões mais elevados de transparência”, afirmou.

Facebook e Google, da Alphabet, introduziram bancos de dados públicos este ano para dar detalhes sobre alguns anúncios políticos comprados em seus serviços, uma resposta as alegações de promotores norte-americanos de que agentes russos que aparentemente interferiram na eleição presidencial de 2016 compraram anúncios em plataformas online. De acordo com informações coletadas pela Reuters nos bancos de dados, os 258 anúncios removidos, com datas de início e término de exibição, ficaram disponíveis no Google em média oito dias e 15 dias no Facebook. Os bancos de dados geralmente não dizem por que um determinado conteúdo foi removido e apenas o Facebook mostra cópias de anúncios proibidos. Com base nos intervalos dos bancos de dados, 436 anúncios foram exibidos até 20,5 milhões de vezes e custam até US$ 582 mil, totalizando uma fração dos milhões de dólares gastos online nesta eleição.

Os bancos de dados públicos, informou a Reuters, também foram usados para a guerra eleitoral, fornecendo informações sem precedentes, com candidatos explorando as fraquezas de oponentes. Cinco estrategistas de campanha disseram à Reuters que ajustaram as táticas de publicidade nas últimas semanas, com base no que os bancos de dados revelaram sobre os gastos dos adversários em anúncios e quais gêneros, faixas etárias e Estados viram as mensagens. O Google afirmou estar comprometido em trazer maior transparência aos anúncios políticos. E o Facebook disse que o banco de dados é uma maneira pela qual a empresa tem de se responsabilizar, “mesmo que isso signifique que nossos erros estejam expostos”.

Verificação dedicada à metralhadora de farsas de Trump

A verborragia incendiária de Trump (na imprensa, em comícios e via Twitter) consumiram a maior parte dos esforços dos verificadores fato no período no período eleitoral. Foi, segundo depoimentos dos jornalistas, exaustivo e nem sempre eficaz, tamanha a quantidade de detalhes nas desinformações. Houve até mesmo casos em que republicanos distorceram nas redes sociais fatos devidamente checados pelas agências de verificação.

Não é possível dizer até que ponto notícias falsas, imagens manipuladas e conspirações afetaram os eleitores, mas é possível dizer que houve contundente reação à desinformação. E isso inclui não apenas agências checadoras de fatos e as medidas das empresas de tecnologia, mas as empresas jornalísticas, tanto as nascidas na internet – é o caso do Buzzfeed –, quanto as mais tradicionais, como o The New York Times.

O trabalho de Glenn Kessler, colunista do Fact Checker, iniciativa do jornal The Washington Post, ao lado de dois outros jornalistas, explicita o quão complexo é acompanhar e desmentir as falsidades ditas por Trump. Eles estão à frente do sistema que reúne alegações falsas ou enganosas feitas pelo presidente. Em 12 de setembro, esse banco de dados registrava 5.001 solicitações desse tipo. Pior: com o passar do tempo, o presidente norte-americano demonstra que, em seus discursos, há cada vez mais espaço para inverdades.

Além disso, a lógica da desinformação durante o período eleitoral foi produzida aos borbotões. O The New York Times constatou isso ao pedir que seus leitores enviassem à redação exemplos de falsidades ou conteúdos distorcidos. Foram remetidos ao jornal mais de 4 mil postagens enganosas a partir de feeds de redes sociais, aplicativos de mensagens de texto e contas de e-mail. Entre eles, uma série de falsidades sobre a caravana de migrantes saídos América Central. O The New York Times desmistificou vários delas, mas muitas continuaram a se espalhar, como o post no Facebook que usa fotos antigas e sem especificação de fonte que mostram policiais feridos para alegar que os migrantes são violentos. O conteúdo falso foi compartilhado milhares de vezes.

Racista demais até para a Fox

Os imigrantes também estão no centro de uma das mais ferozes faces da estratégia de elevada polarização política respaldada por Trump. As redes de televisão CNN, NBC e até a conservadora Fox News, além do Facebook, se recusaram a emitir um anúncio do presidente por seu conteúdo racista.

No vídeo criado pela equipe de campanha do mandatário dos Estados Unidos um criminoso imigrante ilegal mexicano era ligado à caravana que se dirige aos Estados Unidos para pedir asilo e culpava os democratas de permitir que ele entrasse no país. Trump negou no começo desta semana saber sobre o fato, mas afirmou que “muitas coisas são ofensivas”. Em outro episódio, talvez motivado pela reação negativa da Fox News a seu anúncio, Trump colocou a empresa pela primeira vez entre os veículos que ele costuma chamar de “fake news”.

Apesar da carraspana, a emissora continua prestigiada por Trump. O professor de direito Yochai Benkler, de Harvard, especialista no estudo dos efeitos da internet na sociedade, explica o porquê: o responsável por essa lavagem cerebral não é o Facebook, mas a Fox News, cujas estrelas amplificam com frequência conspirações racistas ou antissemitas que nascem em qualquer fórum digital. O especialista, porém, não isenta as empresas de tecnologia, que estão na origem do problema.

ANJ




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