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Nacional
Quinta, 29 de março de 2018, 11h52

Jornais têm papel decisivo no combate a mentiras e devem marcar eleição de 2018


A propagação de notícias falsas nas redes sociais sobre a vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada no Rio de Janeiro em 14 de março, indica que haverá uma guerra polarizada nas redes sociais durante a eleição deste ano no Brasil, segundo pesquisadores ouvidos pela BBC Brasil. Ao mesmo tempo, o caso revela que existem caminhos de reação às inverdades. Uma boa parte deles passa pela imprensa, capacitada a relatar os fatos com credibilidade, mas também desafiada a impedir que seus conteúdos sejam desvirtuados para servirem de munição a grupos que espalham mentiras na web.

"Veremos uma disputa nas redes entre esquerda e direita e uma disputa das plataformas para mostrarem que papel podem exercer", afirmou Marco Ruediger, diretor de análise de políticas públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em entrevista a BBC Brasil. O especialista disse que o cenário será “um tremendo campo de batalha” e um “case” global por conta da dinâmica de comunicação da desinformação online entre os brasileiros e, talvez, também pela capacidade de reação às notícias falsas.

Essa última possibilidade foi verificada em relatório da área coordenada por Ruediger, na FGV. O estudo revela que que a onda de desmentidos posterior às notícias falsas sobre a vereadora Marielle superou a das mentiras. A instituição analisou postagens no Twitter sobre a parlamentar da noite do dia 14 até a meia-noite de domingo (18). Na noite de sábado (17), os tuítes com desmentidos dos boatos alcançaram um pico e representaram quase o dobro dos tuítes que propagavam as notícias falsas, que acabaram minguando, relatou a BBC Brasil.

Entre 14 e 18 de março, o grupo que difundiu as respostas sobre notícias falsas e cobrou punições era majoritário – 73% do total. O grupo que propagou notícias falsas ou criticava aqueles que não protestam quando policiais morrem compunha 22% do total. Além disso, levantamento do Monitor do Debate Político no Meio Digital da Universidade de São Paulo (USP) mostra que uma reportagem do Aos Fatos, uma agência de checagem de fatos, foi uma das mais compartilhadas na rede, com 30 mil compartilhamentos. A publicação dizia no título: "Não, Marielle não foi casada com Marcinho VP, não engravidou aos 16 e não foi eleita pelo Comando Vermelho".

Ruediger disse acreditar que o debate rompeu "a polarização muito tradicional da sociedade brasileira vista desde 2014" porque Marielle representava "temas e valores transversais". Para ele, um indicativo de que "parte do centro conservador não compra a 'agenda' mais radicalizada de um setor da direita".

Um desafio para imprensa

A Folha de S.Paulo foi o primeiro veículo de comunicação a veicular, em seu site, na noite do dia 16, informação de comentários maliciosos sobre Marielle com base em falsa informação. O jornal informou que a desembargadora Marilia Castro Neves, do Rio de Janeiro, escreveu no Facebook que a parlamentar do PSOL, "estava engajada com bandidos", entre outras inverdades.

No mesmo texto, ampliado na edição impressa do dia 17, o diário revelou que a magistrada contou à reportagem que apenas havia dado opinião como "cidadã" e nem sequer tinha ouvido falar de Marielle até a notícia da morte. "Eu postei as informações que li no texto de uma amiga", afirmou. O jornal também informou que um grupo de advogados defendia que a desembargadora fosse denunciada ao Conselho Nacional de Justiça.

Apesar de registrar a irresponsabilidade da magistrada e abrir espaço para novas denúncias de notícias falsas sobre Marielle, a reportagem foi utilizada pelos propagadores de mentiras para dar falsa credibilidade à desinformação produzida por eles. A partir de um determinado momento, observou à BBC Brasil Pablo Ortellado, pesquisador do Monitor do Debate Político no Meio Digital, da USP, "o principal vetor de difusão foram os sites de notícias, inclusive os da imprensa, que publicaram matérias na noite do dia 16".

Isso porque, explicou o pesquisador, alguns veículos da imprensa publicaram reportagens com títulos que relatavam as publicações da desembargadora e do deputado federal Alberto Fraga (DEM-DF), deixando claro apenas no texto que as autoridades estavam replicando, na realidade, uma notícia falsa. "Assim, mesmo quando eram compartilhadas com intenção de mostrar que as alegações eram absurdas, elas terminavam ajudando a difundir o boato, agora validado por uma autoridade do Judiciário", observa o pesquisador.

Como uma parcela expressiva dos usuários se informa somente pelos títulos de reportagens, destacou Ortellado, eles precisam ser informativos e completos. "Ou seja, não devemos supor que os leitores lerão a matéria completa." A BBC Brasil não procurou os jornais para comentar as observações do pesquisador da USP, mas os diários se mostraram atentos para reportar ao público sobre a campanha difamatória contra Marielle. Também revelaram preocupação com o uso indevido de seus conteúdos. Os casos mais emblemáticos são o de O Globo e Folha de S.Paulo.

Antídoto às fake news

A ombudsman do jornal paulista, Paula Cesarino Costa, citou que há no novo Manual de Redação do jornal orientação para a produção de títulos e subtítulos a partir da realidade imposta pelo meio digital e seus riscos: "Títulos e subtítulos constituem o principal, quando não o único, ponto de contato de muitos leitores com a notícia. Sua formulação deve ser atraente e responsável, especialmente nas plataformas digitais, onde se perde a visão de conjunto".

Ouvido pela ombudsman, o editor-executivo da Folha, Sérgio Dávila, disse que as notícias falsas preocupam tanto o jornal que consta de seu Projeto Editorial, onde diz que o jornalismo profissional é antídoto para notícia falsa. "A missão principal do jornalismo profissional não deveria ser desmentir fake news, mas trazer ao leitor as 'true news', relevantes e exclusivas", defendeu o jornalista.

Dávila informou que a Folha de S.Paulo, ao lado de outros jornais e sites noticiosos, fará parte do projeto First Draft, consórcio que nasceu na Universidade Harvard e chega ao Brasil para tentar atacar as fake news. A ideia, ainda segundo relato de Cesarino Costa, é produzir apurações que desmintam textos de fake news, principalmente durante as eleições.

Propagadores da inverdade

O jornal O Globo colocou a reportagem na trilha da origem das notícias falsas a respeito de Marielle, além de conceder amplo espaço para o debate do tema. A investigação do diário e dados do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) indicam que o site de opinião Ceticismo Político e uma ação articulada com o Movimento Brasil Livre (MBL) ampliaram de forma decisiva a propagação de inverdades nas redes sociais sobre a vereadora do PSOL.

Foi o Ceticismo Político que subverteu o texto original da Folha de S.Paulo e deu um novo título: “Desembargadora quebra narrativa do PSOL e diz que Marielle se envolvia com bandidos e é ‘cadáver comum’”. Ao citar a reação dos advogados referida pelo jornal paulista, o site afirmou que se tratava de uma manifestação da extrema esquerda. “A publicação do Ceticismo Político foi a que teve a maior influência no debate”, disse ao jornal O Globo o pesquisador Fábio Malini, coordenador do Labic.

O Globo ainda levou o tema a seus espaços de opinião. O jornalista Pedro Doria, especialista em tecnologia, comentou as desinformações espalhadas no Facebook para alertar sobre os perigos do mau uso da tecnologia. “O mais provável é que gente profissional com objetivo político colocou as histórias no ar. Mas o Facebook não consegue dizer sua origem”, disse. Ao lembrar da crescente pressão à rede social norte-americana, o colunista destacou que “o mundo está atento à relação entre tecnologia e política. Atento e, convenhamos, perdido”. Após alguma das reportagens publicadas por O Globo, o Facebook tirou do uma página e dois perfis associados à disseminação de fake news contra Marielle, mas não bloqueou mentiras.

Na edição do dia 24, a escritora Rosiska Darcy de Oliveira escreveu em O Globo: “A campanha de difamação contra a vereadora Marielle Franco, que, como um vírus letal, invadiu a internet, além de sórdida, é assustadora. Um novo protagonista se insinuou no tumultuado cenário político: a notícia falsa”. A covardia dos que agem nas sombras, continuou Darcy de Oiveira, aproxima os tiros que mataram a parlamentar da campanha lançada nas redes para desacreditá-la, assim como as causas que ela defendia. “Essa selvageria, que destrói reputações, essa violência espelha a que enfrentamos nas ruas, a que destrói vidas”.

Antes, em 21 de março, Cora Rónai, colunista do jornal do Rio de Janeiro, focou-se na irresponsabilidade da desembargadora Marilia Castro Neves ao comentar e compartilhar mentiras. “Desembargadores julgam recursos em segunda instância, são como juízes acima dos juízes de primeira instância, juízes de juízes. Uma desembargadora que não faz ideia da importância da sua função e do seu papel na sociedade não está apta a ser desembargadora. Uma pessoa tão destituída de bom senso e de empatia não pode tomar decisões sobre a vida dos outros”.

Facebook tem 24h para remover mentiras

Nesta quarta-feira (8), o juiz Jorge Jansen Counago Novelle, da 15ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), determinou, em liminar, que o Facebook remova, no prazo de 24 horas, publicações com informações falsas de conteúdo criminoso sobre a vereadora. A ação foi movida pela irmã e pela viúva da parlamentar.

O magistrado decidiu que a rede social deve utilizar todas as ferramentas disponíveis para impedir a publicação de novas postagens ofensivas a Marielle. Novelle determinou ainda que o Facebook informe se os perfis de Luciano Ayan, Luciano Henrique Ayan e Movimento Brasil Livre patrocinaram as postagens.

“Não se há de tolerar, que a morte de Marielle, mártir da História contemporânea do Brasil, se repita, dia-a-dia, como vem ocorrendo, com a conivência, por omissão, especificamente do réu, que se traveste numa rede social e vem permitindo a propagação de crimes como calúnia contra os mortos, ódio, preconceito de raça e gênero e abusos, contra alguém que já não tem como se defender, contra seus parentes, irmã e sua companheira, contra familiares e contra a Sociedade”, afirmou Novelle na sua sentença.

O Facebook informou, por meio de nota, que vai remover os conteúdos específicos de URL indicadas nos autos, conforme prevê a legislação brasileira.

Perigo no WhatsApp

As notícias falsas sobre a vereadora Marielle se difundiram de maneira já tradicional nas redes sociais do Brasil: começaram no WhatsApp, aplicativo de mensagens fechado do Facebook, onde não é possível detectar a origem de notícias falsas, e depois foram parar no Twitter e no Facebook. Também houve boatos publicados em vídeos do YouTube. "A construção do boato me pareceu sofisticada e planejada. Foi uma pequena amostra do jogo sujo que veremos na campanha eleitoral deste ano", afirma Pablo Ortellado da USP.

Os boatos com diferentes textos, áudios, fotos e vídeo tentavam ligar Marielle com o tráfico. Depois do WhatsApp, as notícias falsas chegaram às redes sociais na noite do dia15 de março, um dia após o assassinato da vereadora, e, com mais força, na manhã de 16 de março.

Um dos primeiros tuítes com uma notícia falsa sobre Marielle, identificado pela FGV, foi às 10h45 de sexta, 16. Um usuário reproduz um vídeo, sem qualquer relação nas imagens com Marielle, mas ligando "garotos de chinelo sem camiseta" ao Comando Vermelho e afirmando que Marielle era ex-mulher do traficante Marcinho VP. A informação é falsa.

No próprio dia 16, entrando na onda dos boatos, o deputado federal Alberto Fraga e a desembargadora Marilia Castro Neves reproduziram e reiteraram as notícias falsas em suas páginas no Twitter e no Facebook.

ANJ




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