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Nacional
Quarta, 25 de abril de 2018, 11h46

Do Paraguai ao DF: a rota do contrabando internacional de cigarros


No Entorno do Distrito Federal, um maço de cigarros Euro pode ser encontrado a R$ 4. O valor é quase metade do preço praticado por outras marcas no mercado brasileiro, vendidas a uma média de R$ 7. Fabricado no Paraguai, o produto chega à capital federal por uma complexa rede de contrabando que envolve governos, facções criminosas e, até mesmo, organizações terroristas.
O Paraguai é o líder na produção de cigarros no Cone Sul. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), o país produz 60 bilhões de unidades por ano, com uma capacidade para atingir a marca dos 100 bilhões. A fabricação do produto não é crime. A entrada em terras brasileiras por meio de contrabandistas, contudo, origina um mercado ilegal que domina 48% do consumo no nosso país.

No Brasil, onde os cigarros paraguaios respondem por 92% do mercado ilegal, os produtos das marcas associadas à Tabesa chegam a ocupar 80% do segmento clandestino. Entre os cinco rótulos mais vendidos em território nacional, informa o Etco, três são fabricados no país vizinho. “Há um altíssimo lucro envolvido nesse esquema. É uma prática incentivada e a concorrência é desleal", afirma o presidente-executivo do instituto, Edson Vismona.

O Etco defende que a mola-mestra do contrabando de cigarros paraguaios é a diferença tributária praticada pelos governo dos dois países. Enquanto, no Brasil, o produto é taxado em 70%, no vizinho, o percentual é de 16%, o menor do mundo.

A travessia

Com um preço competitivo e sem legislação de rastreamento do produto, o cigarro paraguaio se utiliza das rotas do tráfico para entrar no Brasil. Pelo mesmo esquema que distribui drogas, armas e eletrônicos no país, chegaram os 221,9 milhões de maços apreendidos pela Receita Federal em 2017.

Foz do Iguaçu faz parte da porta de entrada de contrabandos no Brasil, que inicia no município e se estende até Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul. Na região, explica Rodrigues, o esquema de transporte e distribuição é controlado por quadrilhas locais e facções criminosas com ramificações nos estados, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV).

No ano passado, segundo a Polícia Federal, as forças de segurança do Paraguai entregaram mais de 20 integrantes do PCC presos no país vizinho ao governo brasileiro.

Para cruzar a fronteira, as quadrilhas se valem de carros de passeio roubados no Brasil e pilotados por menores de idade paraguaios. Os veículos são alterados (foto abaixo) com a instalação de fundos falsos e placas frias. “Com o passar dos anos e o aumento da fiscalização, as quadrilhas foram se adaptando e fazendo um uso maior de tecnologias", explica Dolzan.

Já no Brasil, as cargas de cigarro são transferidas para caminhões e carretas acompanhados, muitas vezes, por olheiros ou escoltas armadas. As principais rotas utilizadas, segundo apurou o Metrópoles, são as rodovias federais responsáveis pelo escoamento de produção agrícola brasileira, como as BRs 277 e a 163. Por via terrestre, a carga é transportada ao preço de US$ 4 o quilo.

Capital federal

Os cigarros paraguaios contrabandeados têm como destino diferentes regiões do país. Entre elas, o Distrito Federal. Para alcançar o Planalto Central, as quadrilhas se valem de estradas federais que chegam até Goiás, concentrando a distribuição e comercialização em cidades do Entorno do DF.

“Eles [comerciantes] procuram tratar a questão de uma forma um pouco velada. Sabem da ilegalidade e, normalmente, guardam o produto debaixo das prateleiras ou em depósitos menos ostensivos", relata o diretor da Divisão de Crimes contra o Consumidor da Polícia Civil do DF, delegado Marcelo Portela.

Para comprar, no entanto, não há empecilhos. Reportagem do Metrópoles publicada em 2016 revelou o comércio de cigarros paraguaios em regiões do Entorno. “A gente sabe que é paraguaio e trabalha escondido", diz uma vendedora.

Questionada pelo Metrópoles, a Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social do DF disse não possuir estatísticas oficiais sobre a apreensão de cigarros contrabandeados. Apenas no ano passado, contudo, a Operação Bunker, da Polícia Civil, apreendeu 15 mil maços de cigarros e essências de narguilé contrabandeados em um depósito em Ceilândia.

Rede transnacional

Pelas ramificações de sua rede de contrabando, o mercado ilegal de cigarros paraguaios é apontado por especialistas como um dos exemplos de violação transnacional que atinge países da América do Sul. “Não há espaços sem governo. O crime organizado ocupa o que o Estado não ocupa e, na América Latina, observamos organizações atuando em diversos países", explica o consultor em segurança pública que presta serviços ao governo norte-americano Douglas Farah.

Segundo o consultor, esses tipos de redes criminosas controlam entre 5% e 10% da economia mundial. Na América Latina, afirma Farah, além do domínio do tráfico e do contrabando nas fronteiras, elas exercem poder político em países como Venezuela e Nicarágua e são responsáveis por operações que financiam organizações terroristas como o grupo libanês Hezbollah.

Na Tríplice Fronteira, a associação entre o Hezbollah e o PCC já é alvo de investigações da Polícia Federal há mais de 10 anos. Segundo a PF, enquanto o grupo terrorista favorecia o acesso a armamentos, a facção promovia a proteção de detentos libaneses no sistema prisional brasileiro. Em 2006, um relatório do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos chegou a listar nove pessoas na fronteira entre Paraguai e Brasil acusadas de ajudar a enviar recursos para a rede libanesa.

Combate e prevenção

Com uma grande demanda por consumo, diferentes práticas de preços e conivência de agentes de segurança cooptados pelo pagamento de propina, o contrabando de cigarros desafia autoridades brasileiras e paraguaias. “Não há uma percepção de vantagem para o consumidor de comprar no mercado legal. A busca pelo produto mais barato é natural", afirma o professor de direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) Luciano de Souza Godoy.

Por ser um item de consumo diário, afirma o professor, a aquisição do cigarro paraguaio apresenta pouco risco para o comprador. “O cigarro é vendido e consumido possivelmente no mesmo dia que chegou do fornecedor do Paraguai. E você não tem como ir atrás de quem consumiu nem saber onde ele foi originado", explica.

Para o chefe da delegacia da Polícia Federal em Foz do Iguaçu, Fabiano Bordignon, o contrabando de cigarros não pode ser combatido apenas com detenções. “São grupos que ultrapassam fronteiras e desafiam o Estado. O Brasil não termina na fronteira com o Paraguai, o Paraguai transborda no Brasil e vice-versa. O contrabando existe porque dá lucro. Nós vamos continuar apreendendo cigarro, mas não vai resolver o problema", diz.

 




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