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Mauro Viveiros
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Sexta, 20 de janeiro de 2012, 20h56

O CNJ, o COAF e os reclamantes

A confiança da população em seus governantes depende do conteúdo ético e dos resultados de suas ações. No fundo, tanto vale que a culpa pelas mazelas sociais seja da lei mal elaborada ou injusta, quanto da má ou injusta aplicação de leis bem elaboradas e bem intencionadas.

O ceticismo generalizado leva a população a rejeitar explicações baseadas na legalidade simplesmente formal, típica de um Estado de Direito liberal em que a Lei ou o Parlamento tudo podem. Duvida-se da democracia meramente institucional, aquela em que todas as “instituições funcionam” enquanto o povo, apesar de coroado como titular da “soberania”, segue sendo o pagador da conta num regime em que o poder público não cumpre, de fato, suas obrigações constitucionais.

É do senso comum não haver lei que resista à força subjetiva do julgador que, gozando a vantajosa posição de intérprete final no quadro dos poderes, encontra naturais facilidades para, querendo, desviar-se dos mais elementares princípios constitucionais erguidos como valores fundamentais da República, seja por interesses corporativos ou outros subalternos. O engenho humano, como a historia mostra, é pródigo em sofismas e tergiversações quando se trata de fugir aos controles jurídicos do poder.

Esgotado o modelo de independência absoluta do Judiciário, a sociedade brasileira instituiu por meio da EC 45/2004 o Conselho Nacional de Justiça para controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. Mas esse controle é agora questionado por alguns controlados que, rebelando-se contra o controlador, que investiga estranhas movimentações financeiras de Magistrados em vários estados brasileiros, foram ao STF por meio de instituições de classe e este órgão, do próprio Judiciário, suspendeu liminarmente a investigação da Corregedoria Nacional.

Provavelmente a imensa maioria da população não acreditaria na legitimidade de qualquer decisão que viesse impedir a apuração de fatos com essa gravidade aparente. A ninguém mais convence que servidores públicos – e os Juízes o são – tenham o direito quase inexpugnável de sigilo sobre movimentações financeiras.

Se por força da Constituição Federal os Juízes devem dedicar-se integralmente à função, já que são proibidos de exercer outra atividade, salvo o magistério, a movimentação de seus recursos financeiros deve estar acessível aos órgãos de controle interno, como, aliás, prescreve a lei nº 8.429/92, ao determinar, no art. 13, que todos devem atualizar, anualmente, e entregar à administração sua declaração de bens e valores – incluindo, portanto, rendimentos, compra, venda de móveis ou imóveis-, sob pena de demissão.

Instalada suspeita fundada de movimentação financeira irregular por um servidor público, nada supera a exigência legal e moral de apuração pelo órgão competente. E nada indica, no ordenamento jurídico vigente, que os Juízes tenham assegurado uma franquia específica frente ao Conselho Nacional perante o qual se subordinam hierarquicamente no plano administrativo.

Aliás, a relação de sujeição dos Juízes ao CNJ, o órgão de controle interno do próprio Judiciário, pode-se dizer, é incomparável a qualquer outra categoria de servidor, visto que, de acordo com a Constituição, o Conselho deve: “II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União”.

É da missão precípua do CNJ avaliar se os juízes cumprem seus deveres funcionais conforme a legislação vigente (leia-se: Constituição e o resto do ordenamento) e, portanto, se os recursos que entram e saem em suas contas bancárias são lícitos e compatíveis. A simples incompatibilidade não induz necessariamente à ilegalidade; a ilicitude, todavia, pode conduzir a responsabilização administrativa, civil e criminal. De modo que eventual pagamento/recebimento indevido de valores, conforme sua origem e circunstâncias, pode justificar a instauração de procedimento administrativo disciplinar -PAD, inquérito civil ou investigação criminal, o primeiro pelo CNJ ou Corregedorias locais, o segundo pelo Ministério Público e o último pela Polícia ou Ministério Público.

Não procede, portanto, o argumento de que o CNJ teria invadido atribuições da Polícia Federal ou do Ministério Público por se tratar de conduta supostamente criminosa, data venia. É quase um tópico que um mesmo fato pode dar ensejo a distintas responsabilidades em instâncias diversas; e antes que as investigações na instância administrativa, pelo CNJ, esclareçam a origem dos recursos, é temerário falar em conduta criminosa.

Tampouco procede a afirmação, feita pelas associações de Juízes, de que “o COAF destina-se, exclusivamente, a verificar a existência de crimes de lavagem de dinheiro, ocultação de bens, direitos e valores”. As funções daquele órgão, de acordo com a Lei 9.613/98 e o Decreto nº 2.799/98, entre outras, são as de: “III - receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas, nos termos do art. 1º da Lei nº 9.613, de 1998; VI - elaborar a relação de transações e operações suspeitas, nos termos do § 1º do art. 11 da Lei nº 9.613, de 1998; IX - determinar a comunicação às autoridades competentes, quando concluir pela existência de crimes, de fundados indícios de sua prática, ou de qualquer outro ilícito”.

É fácil observar que a função do COAF não é a de dizer se há crime de lavagem de dinheiro, más, tão somente, a de comunicar os órgãos responsáveis sobre “ocorrência suspeitas de atividades, transações e operações ilícitas” para que estes apurem, pelos meios legais, a razão dessas atividades que podem ser licitas ou ilícitas.

A ação dos reclamantes junto ao STF, bradando contra o que chamam de quebra de sigilo fiscal e bancário, embora seja um direito das associações, corre o risco de ser entendida, num contexto em que a lei é depreciada e desvalorizada diariamente, como uma atitude de obstrução às investigações, colocando em dúvida a honradez e a probidade da imensa maioria dos juízes brasileiros que não merecem a pecha da suspeição. 

Mauro Viveiros é procurador de Justiça do Estado, mestre em Direito pela Universidade Estadual Paulista-UNESP, doutor em Direito Constitucional pela Universidad Complutense de Madrid e Corregedor Geral do Ministério Público do Estado de Mato Grosso.
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